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La seduzione? È essenziale.







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estou cansada outra vez. dá-me para chorar. ouço ópera,
devo voltar aqui um dia. [intervalo]

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(chantagem)

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Maria, a história que podia ser, a minha mãe

"Nuvem Maria ainda se lembra da maneira como a catequista da Primeira Comunhão delirava com a descrição do jardim do Éden. Dona Angélica acarinhava os adjectivos com afectos, engalanava as frases com mimos, declamava as entoações com carinho. Bastava fechar os olhos ao de leve, para entrar de rompante no paraíso. O pior era quando acordava e se via fechada nas quatro paredes do seu prédio dos subúrbios. Foi assim que compreendeu que sem Inferno não há Paraíso.

Com o passar dos anos, Nuvem Maria esqueceu as palavras, mas conservou o sonho gravado na memória. (...)
O seu Éden passou a ser ponto de paragem obrigatório no regresso das aulas. O seu refúgio secreto. O paraíso escondido. Na maior parte das vezes sentava-se num banco de madeira a deliciar a paisagem. Quando o peso da beleza ameaçava esmagar os seus sonhos, deitava-se sobre a relva para melhor aguentar o embate. Até ao dia em que um fiscal da câmara lhe chamou a atenção para um letreiro onde se lia: «Não pisar a relva»."


Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira, 'Nem tudo começa com um beijo'













Aos cinco anos deixou a encosta do Douro que lhe marcou na alma a saudade do rio e do verde, deixou a casa de dois andares, as janelas de guilhotina para voltar mais tarde com unhas pintadas de vermelho. Nas suas mãos, cabiam apenas flores para entregar à tia Palmira quando chegasse a Lisboa. No seu corpo, o vestido mais bonito que alguma vez tinha visto. Nos seus pés, os sapatos de todos os dias, das horas que teimavam em não terminar os dias de volta das suas tarefas, não próprias de menina de cinco anos.
Não começa assim a história de Maria. Começa antes de ter sabido o que é o Douro. Foi concebida na vinha de socalcos onde a mãe trabalhava. Ângela, a mais velha de quatro filhos, que estava prometida a Deus, diziam as más-línguas, tão casta e pura nunca se aproximava dos rapazes. Aproximou-se apenas um, e foi ali que Maria foi concebida. Foram obrigados a casar, numa noite sem lua, sem promessas de amor uniram-se perante a lei de um Deus.
Ângela sofreu na sua primeira gravidez, em silêncio, longe dos olhos e das bocas das suas vizinhas intriguistas. Punia-se rezando rosários, de joelhos em cima de brasas quando a loucura apertava, enquanto esperava que o marido chegasse da cama de outras mulheres.
O primeiro choro de Maria aconteceu na casa de dois andares, entre as paredes de pedra que enfrentavam o frio de Fevereiro. Zé não quis ver a filha, recusou-se a entrar no quarto onde Ângela e Maria, cansadas e sujas, mais uma vez o esperavam. Zé saiu, não queria uma filha. Fora mais uma rasteira do destino, havia por aqui mão desse Deus que o obrigou a casar.
Maria crescia e assistia por vezes na noite, à loucura da mãe. Aos três anos, foi a primeira vez que viu a mãe tocar-se nas brasas, não se lembra hoje o que pensou mas gritou, pedindo socorro às vizinhas. Depois, as outras vezes talvez tenha percebido, passou a assistir na fresta da porta da cozinha aos joelhos queimados, a tratar das feridas da mãe enquanto esta rendida ao cansaço dormia. Ângela de dia flutuava pela casa e pelo campo, pelas amargas vinhas do Douro, tal como um anjo. Sereno, cheio de luz, sorrindo, oferecendo doces palavras a quem a destratava. Nunca abriu a boca com desgosto ou raiva, pelo traço torto do seu destino, afinal tinha Maria. A sua criança irrequieta, completa de vida, que ria alto e respondia sempre sim, e com ele a vontade do tamanho do rio.
Nasceram mais duas meninas, Ângela e Zé não conseguiam alimentar as três crianças. Um prato para as três, diz Maria agora, dois peixes a três pequenas bocas, uma cama de casal para três. Um andar arrendado.
Decidiram mandar a filha mais velha para Lisboa, para casa dos tios que não podiam ter filhos. Palmira, a irmã mais velha de Ângela, aceitou e recebeu-a, mas foi o tio Joaquim que mais contente ficou com a chegada da criança. Ela tinha cinco anos, não percebeu as vidas trocadas. O chão verde pelo alcatrão. O burro pelo comboio. A casa de pedra pela alameda frágil de botões de rosas de Sta Teresinha. A rebeldia do jardim da sua mãe pelos canteiros geométricos da sua tia. Os animais pelas pessoas.
Foram todos ao Porto, era festa na ida à cidade. Na estação, Maria correu para dentro do comboio, quase sem se despedir da mãe. Nas suas mãos, cabiam apenas flores. No seu corpo, o vestido mais bonito. Nos seus pés, os sapatos gastos cheios de lama. Maria correu para a janela, saltou para o colo do senhor que tinha encostado o nariz ao vidro, com pena da senhora que chorava lá fora. Maria com todo o descaramento, próprio de uma criança, emprestou a lama dos seus sapatos às calças do senhor que espiava a dor dos outros.
Desde esse dia Ângela deixou de esperar o marido, guardou a sua loucura que se anulou com a dor do afastamento da filha. Passou a caminhar, em passos pesados, marcados no chão. Deitava-se com as outras duas filhas, ocupava o lugar da sua filha ausente. Deixou de ter feridas no corpo, a maior estava dentro e não na superfície, era o seu coração que doía. Vinte anos depois desse dia morreu, chamando a si toda a família, o último sorriso foi entregue a Maria, num murmúrio de desculpa.

Uma amiga da família foi até à padaria do tio Joaquim entregar a pequena. Enquanto as comadres traduziam em conversas as vidas passadas, Maria tinha vontade de ir à casa de banho, ou fosse lá isso o que fosse. Descobriu um ralo no chão. As comadres, ai que cheiro! ai que cheiro! Cóco no chão da padaria! Maria risse agora, na altura já andava de volta do tio a brincar com um bocado de massa de pão.
Cresceu e estudou. Nas férias visitava a casa da mãe, ia até ao Douro com vestidos bonitos e mini saias, saltos altos e unhas vermelhas. Ângela ansiava, de lágrimas contidas, rezava para que o tempo parasse no mês verão. Esse era o tempo de abundância, uma sardinha para cada um dos seus quatro filhos, também havia doces para todos. Para Zé, a estação do calor era igual à das folhas que caíam no chão, à da chuva e à das flores.

Maria traz consigo o sabor do verde, das pedras largas que a levam de volta à sua casa de menina. Aos vidros partidos, às ervas que avançam e escrevem outras histórias por cima da sua. Na cozinha irreconhecível, cheia de lixo e bichos, chora com saudade as costas da sua mãe, o seu colo de joelhos quentes. Traz hoje dentro de si sal que não usou ao saber-se infeliz, privada do amor da mãe. Maria ajudou a escrever a história de quatro crianças. De beijos em silêncio, amor sem movimento. Tem agora todo o tempo para cuidar das flores do seu rebelde jardim.
O tempo só pára quando quer. Não estava previsto correr.

(em tom de prenda de anos)

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Recado (amor) - cuidado

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(tufãozinho)

Não sei o que foi. A senhora, que há pouco se sentou a comer perto de mim, disse que foi um tufão. Passou pelo Estoril, e eu senti o comboio (gigante) baloiçar, tremlimpim para cá, tremlimpim para lá, os senhores dos dois quiosques a fechar repentinamente, uma cadeira a voar e toalhas de praia. Assustei-me com o comboio carregado de gente...

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A história ficou-se por um adeus.
















(entre o vermelho e o branco)

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Ovos

Há um dragão em draft.

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Memórias

"(...) As ideias nascem das próprias palavras e do carácter misterioso que elas têm. Milagroso, às vezes. De se aproximarem, de se afastarem e de fazerem sentido. (...)

Há um poema seu que começa assim: «Eu sei. É preciso esquecer.» Noutro, escreve: «Lembranças a menos / faziam-me bem.» E haveria ainda outros exemplos.
Sim. Nós somos a nossa memória. (...)
Escreve-se simultaneamente contra e com. (...)"

Entrevista, de Carlos Vaz Marques a Manuel António Pina, na LER.


O que se faz em quase nove horas num Centro de Saúde perto de mim? Li, a revista que passeou de mala em mala durante quase duas semanas. Subi escadas com casais de velhos, que esperaram três meses por uma consulta - é grave menina. todos estes anos a trabalhar para isto (...). Saí para comprar uma garrafa de água a uma senhora, que com os seus quarenta e seis anos nem a dita conseguiu abrir por causa das artroses. Distraí outra senhora, grávida, quase a completar as nãoseiquantassemanas (e ouvi os ecos duma frase da senhora minha mãe, tu não és normal, isto porque todas as mulheres têm um relógio biológico tictactictoc, e eu nem por isso), por estar à espera desde as seis da manhã estava desesperada e enervada. E eu, porque preciso de estar tanto tempo à espera que a senhora doutora, minha médica de família que me viu três vezes nos meus vinte e oito anos de existência (uma delas nem me chegou a ver, porque decidi partir o queixo em pleno Centro de Saúde), preencha dois modelos (que ainda vão a 'conselho superior' para aprovar) para ser internada e operada. É a minha falta de paciência a atacar outra vez. (umas cadeiras mais à frente enquanto folheio a minha LER, desenhada pela minha sobrinha Carolina, ouço uma criança perguntar à mãe - já passaram as horas todas?)

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(evitar) entre cigarros














Os buracos ameaçam a saída do fumo, levanta-te, no intervalo da magia saliente nas pontas de cigarros que vagueiam entre mãos que se desgraçam no desejo. Chega-me e acende o que me pede fogo, queima o tempo em que estás. É no teu gesto que te vejo, a proximidade do sabor. Fica o cheiro num painel a quatro mãos.
As bocas traduzem-se, provavelmente na solidão, nas imagens que se perdem no fumo. És quem chega. As quatro mãos, os dois olhos - tranquilizam as memórias largadas no infinito. Caminhamos à procura do esquecimento, só mais um sente o calor.
Só mais um para o final.


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Sugestão:









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Sugestão: think i love you.

Um corpo reage a si mesmo na continuidade de outro. Vamos embora, fugimos os dois à realidade. Procurar ser só quando estás acordado, em pensamentos de Amor. think i love you. Só nós. Sentir-me enquanto dormes. Em pulseiras que unem os improváveis sons do carinho. Imagens e objectos de sugestão.

Pendurados pelos dedos em buracos. Juntar tudo e esperar nada. Recorta-me o peito no perigo de te sujares com os líquidos que correm da minha alma. No céu não existe tom de dúvidas. No mar questiono a existência do que sou em ti. Daqui a nada, o meu quarto será desenhado no lugar do teu. A película poisa sobre ti, sentes o arrepio de não seres sem mim. No entanto, nunca será daqui a nada. Os teus pés fugiram na saliência da sugestão cerrada do mar.

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Breves dias





Onde entreguei as mãos, pelos olhos no ar,
de folhas desatadas de flores.






A permanência da pressão entre representações.
De actos fracassados.

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Falta-me a paciência.
Experimenta dormir.
Também me falta a paciência!

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Publicidade (com P)

Está a chegar. Vamos à procura.
A apresentação da "aguasfurtadas" nove terá lugar no Porto,
dia 6 de Julho, nos espaços JUP (Rua Miguel Bombarda, 187),
a partir das 21h30. Com concerto/performance de Mano Calórica
e Las Tequillas. E "O Furto das Águas", uma criação colectiva de um grupo de estudantes de teatro, concebida especialmente para esta apresentação.

"Uma das frustrações que há muito me acompanhava era a inexistência de uma revista cor-de-rosa que me enchesse as medidas. A razão de ser do pretérito é o número 9 da aguasfurtadas, cujo cor-de-rosa ligeiro - da capa - permite-me agora colmatar tal frustração sem ceder à brejeirice da imprensa mais digna de tais 'classificações pigmentárias'." Henrique Fialho